Vinte e seis anos dormindo sempre do lado direito da cama de
casal. Só que agora o lado esquerdo encontra-se vazio. Um enorme vazio, um
espaço que não pode ser preenchido ainda que alguém se deite ali.
Tento me acomodar mais para o centro da cama, na tentativa
insana de fingir que os travesseiros que coloquei diminuam a sensação de
solidão que me invade a alma, numa dor que me atravessa rasgando o peito. Tomo
alguns calmantes e tento dormir. Uma música relaxante e uma taça de vinho podem
ajudar...
Então bebo e começo a chorar. Primeiro um choro baixinho de
quem tenta reprimir sua dor para não lembrar. Lembrar dos braços que me
abraçavam toda noite, por vinte e seis anos, antes de ouvir “boa noite, meu
anjo”. Tento imaginar que agora ele é o anjo e que está a me proteger. Mas que
bobagem... Não tenho mais fé para isso. Sinto apenas dor e raiva de ele ter ido
embora de forma tão estúpida, sem despedida, sem tempo para as últimas
palavras.
Só nos filmes há tempo para últimas palavras antes da morte.
Na vida real, o seu amor simplesmente vai embora sem dizer adeus, sem dar
instruções, nem dizer que logo vocês irão se reencontrar. E a notícia da morte
vem como frases sem sentido, que você ouve, mas não entende, reconhece então só
um desespero e tudo em volta é turvo, já não se ouve nada, nem se vê ninguém. O
ar falta e você estica o pescoço com as mãos como se fosse lhe ajudar a
respirar melhor. Mas só o grito e o pranto podem o libertar. Por um breve
momento.
Então o lado vazio da cama... sim, tento dormir, anestesiar meus pensamentos para esquecer-me de que ele não está aqui e nunca mais estará. Pego mais um travesseiro e me apoio na tentativa de que meu corpo se acostume a uma ausência que agora estará sempre ao meu lado, não importa se eu tento ficar no meio da cama.
O choro aumenta de intensidade e se transforma em pranto.
Choro até me cansar e adormecer. Adormeço. Mas só para descansar à espera da
próxima noite do meu leito vazio. À espera porque é só nesse momento em que eu
não preciso ser forte, posso ser eu mesma, destruída na devassidão do luto.
Esse momento é apenas meu. Da minha dor. E aonde tento encontrar, eu mesma,
aos poucos, a minha cura.
*Em homenagem à minha querida amiga e terapeuta, que perdeu
seu esposo de forma abrupta, como mais uma vítima da Covid-19.
