Se você assistiu ao filme “Como eu era antes de você” (2016), baseado no livro best-seller homônimo de 2012, deve ter chorado horrores. Pelo menos eu chorei, e muito. Claro, a gente tende a preferir finais felizes. E o final desse filme é bem trágico. Will, um rapaz rico, amante de esportes radicais, ficou tetraplégico como consequência de um acidente de trânsito. Depressivo, ele adotou o cinismo como modo de vida, até conhecer finalmente o seu grande amor, Louisa. Uma jovem pobre, divertida, carismática, com gosto duvidoso para roupas, para não dizer cafona. Louisa, que é contratada como cuidadora de Will, arrebata o coração partido e amargo do rapaz, devolve a ele um pouco da alegria de viver, mas, mais do que isso: dá a ele uma nova perspectiva sobre a vida, um novo ângulo, que o transforma em uma pessoa melhor.
Tudo vai muito bem, um romance típico, deliciosamente açucarado,
não fosse pelo final audacioso, que trata de um assunto bastante polêmico e
difícil: o suicídio assistido. Will, antes de conhecer Louisa, já tinha um
trato com seus pais de que, caso ele não apresentasse melhora em sua condição
precária e sofrida de saúde, ele se submeteria a um procedimento na Suíça, em
que o paciente recebe ajuda para morrer. O inesperado no universo romântico,
mas totalmente crível no mundo real, é que Will não muda sua decisão mesmo
depois de se apaixonar por Louisa. Ele entende que seu sofrimento não vai
cessar ainda que a moça amenize a dor da sua precária vida. E acredita que também
a estaria mantendo presa, tudo o que não quer se fazer com quem se ama de
verdade. Libertar é um ato de amor, dos mais profundos e difíceis de fazer.
Certo é que pelo menos quatro países já legalizaram o suicídio
assistido, geralmente sob condições rígidas: de que o paciente esteja em
condição médica irreversível e esteja passando por um sofrimento mental ou
físico constante que não possa ser aliviado. Diferentemente da eutanásia, no
suicídio assistido, o paciente precisa estar totalmente consciente e, em alguns
países, exige-se até que o paciente tenha condições de levar à boca, sem ajuda,
o coquetel mortal.
Enfim, o filme me fez pensar. Justo eu que sou totalmente a
favor da vida, que já passei pela depressão e pelo desejo de não querer mais
viver, mas lutei, relutei em não ficar na cama, chorava, gritava, enxugava as
lágrimas. Agarrei-me com todas as forças à minha grande razão de viver, meu
pequeno grande anjo de cachos dourados. Convivia com a completa incompreensão
dos que estavam à minha volta sobre a doença, taxada como fraqueza, frescura. “Tem tanta gente em situação pior”, as pessoas pensam. Tem mesmo,
e daí? Isso não muda a condição de quem está sofrendo.
Também sempre fui contra a eutanásia. A pessoa está em coma
absoluto por anos, mas vai que ela volta à vida? Não aparecem aqueles casos
milagrosos nos jornais? Mas o amadurecimento vai mudando um pouco a nossa forma
de pensar e colocando dúvidas na nossa cabeça, antes totalmente convicta de
opiniões resolutas típica dos jovens. É justo a evolução da medicina nos
prender a esta vida como vegetais? É fazendo a eutanásia que nos colocamos no
lugar de Deus, decidindo a morte de uma pessoa, ou é mantendo alguém vivo
artificialmente por aparelhos, sem os quais o paciente não sobreviveria, é que
nos tornamos divinos prolongando a vida já terminada, apenas um corpo com
órgãos vitais funcionando? E quando a medicina estiver tão evoluída que puder
prolongar essa sobrevida quase que indefinidamente?
Nossa, quanta coisa para pensar... Envolvem crenças morais,
éticas, religiosas, sem dúvida. Decidir no campo individual pode ser mais
fácil, mas quando se trata de mudar a legislação de um país, as coisas ficam
bem mais complicadas. Principalmente se a gente tem que participar dessas
decisões. E elas chegam dia a dia, o mundo fica cada vez mais complexo porque
querem trazer à tona coisas que sempre foram feitas desde que o mundo é mundo e
ninguém pedia (ou pede) permissão ainda que sofresse (ou sofra) consequências. Não
são leis que impedem alguém quando se decide sobre algo tão sério: libertar
matando o seu ente querido, ou simplesmente deixando morrer; ajudar alguém a
dar cabo de uma vida sem perspectiva alguma de futuro, um paciente terminal que
vai morrer de forma lenta e dolorosa porque a medicina avançou muito em manter
essa vida de dor.
Como é difícil jogar luz nessas questões e ter que decidir
como sociedade. Sinceramente, não sei se estaria pronta. Confesso um certo
alívio pelo Brasil estar longe de realizar um plebiscito em que eu teria que
ter uma opinião. Às vezes é muito bom não ter opinião. Mas é bom saber também
que tem lugares em que as pessoas podem decidir sobre o prolongamento ou não da
vida. Saber que tem países que tiveram coragem de discutir o assunto e garantir
os direitos individuais acima das crenças coletivas. Porque por mais que
possamos amar a vida, por mais que haja pessoas fantásticas, com talentos
incríveis que se mantiveram motivadas mesmo com doenças degenerativas,
tetraplegia, câncer terminal a querer respirar até o último sopro de vida...
Não podemos julgar quem não encontrou uma grande motivação, que não tem os
mesmos dons e talentos e que é obrigado a conviver com dores físicas crônicas e
quase insuportáveis. Quem somos nós para julgar? Será que temos esse poder de
decidir por alguém? Não faço a menor ideia... E me arrisco a dizer que, assim
como você, prefiro não pensar muito sobre o assunto.


É mesmo uma questão complexa. Nunca passei por nenhuma situação em que eu precisasse experimentar esse problema. Mas estou certa de que, se viesse a fazer parte da minha vida em algum momento, o poder de decisão seria bem-vindo. Não quero dizer que a resposta seria indubitavelmente sim ou não. Mas quero dizer que poder decidir é bom. Afinal, estamos sempre decidindo a vida toda. E, se acontecesse com um ente querido, concordo que ele deveria poder decidir. Lembrando que estamos falando de suicídio assistido, não de suicídio puro e simples. (Sei que você sabe, mas deixo claro aqui, caso outros leitores resolvam participar da discussão.) O suicídio assistido envolve outras pessoas, envolve médicos. Para chegar-se a esse ponto, muitos aspectos são considerados, como você citou no texto. Beijinhos!
ResponderExcluirObrigada, Adriana. É mesmo uma situação muito difícil. A intenção aqui realmente não é defender o suicídio, mas olhar com amor e não julgar como fraqueza.
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