sábado, 18 de março de 2017

Desilusão – A síndrome da Cinderela

A velha senhora, nos altos de seus 87 anos, já se sentindo mais perto da morte, disse à sua neta, com o tom direto e experiente que têm os idosos: “Ontem estava escrevendo sobre a sua trajetória, e percebi que foi muito bem-sucedida. Mas você não deu sorte no casamento. Não se case mais”.

A jovem disfarçou, mas a fala da avó foi como um soco na boca do estômago. Aos 33 anos, já havia casado duas vezes, tinha uma filha de 4 anos, e agora um companheiro com quem vivia por um ano e já enfrentava problemas conjugais conhecidos pela família. Num ato desesperado, tentou argumentar: “Mas, vó, a senhora também não deu sorte com o meu avô. Ele era alcoólatra e a senhora se separou dele porque ele jogou um liquidificador no seu rosto! Dez anos de sofrimento, mas a senhora não deixou de tentar. Teve outros namorados até se casar de novo”. Ao que a senhora replicou: “É, mas dei sorte com o novo marido. Desde o início, ele deixou claro que não assumiria meus cinco filhos, tive que ter dois empregos e depois nos casamos com separação total de bens. Mas, ao longo dos anos, posso dizer que o falecido foi um bom companheiro para mim”.

Depois de um tempo de conversa com a avó, o inevitável aconteceu. Pensamentos invadiam a mente da jovem, fantasmas de seus casamentos fracassados, das juras de amor no altar, dos sonhos e promessas de felicidade eterna. Parecia agora que só restavam retalhos, dor e decepção. Afinal até a filha ela tinha que dividir com o pai. O seu castelo, a casa construída com tanto esmero, tinha sido alugado para acomodar uma vida mais prática à mulher divorciada, que precisava cuidar de tudo sozinha além de trabalhar como sempre fez. Fora isso, a casa era grande demais, carregada de lembranças e sonhos que não se concretizaram. Não queria morar lá.


Mas então, era este o fim? Viver a dor, trabalhar, cuidar da filha e seguir em frente? Sem mais espaço para o amor e novos sonhos de família? Afinal, deu errado duas vezes. Quem se arriscaria de novo? Eu não sei se me arriscaria, muito menos essa jovem. Mas certo é que somos criadas para esperar nosso príncipe encantado, que irá nos salvar da nossa vida sofrida de Cinderela. Esperamos apoio, paternalismo, cuidado. Mas o mundo agora está bem diferente. Ou sempre foi. Nunca houve príncipe encantado. Mentiram para nós. Sempre tivemos que cuidar de nós mesmas. Sempre fomos responsáveis pela nossa própria felicidade. E quem disse que não podemos tentar até cansar? Até acertar? Ou para sempre fracassar, mas morrer tentando? Tentando ser feliz, casando-se ou ficando solteira. Divorciada ou livre para amar. Para se amar.

Pois a velha senhora, no seu balanço da vida, tentava omitir o óbvio: sua vida também não foi fácil. Com cinco filhos para criar, o Juizado sugeriu que todas as crianças fossem levadas para a antiga Febem. A consideravam muito jovem para conseguir criar os filhos, quase todos com um a dois anos de diferença apenas. Após muito argumentar, ela conseguiu a chance de provar que era capaz sim. No prazo dado de um mês, ela cumpriu a condição para ficar com as crianças. Arrumou um emprego e matriculou todos na escola.

“É, vó, faz parte da vida. São as coisas que a gente não escolhe. Não depende da gente. Não podemos evitar a decepção. Ela acontece. Mas precisamos de coragem para enfrentar e prosseguir”. E assim a jovem rejeitou o conselho da experiente e amorosa avó, que apenas tentava evitar que ela topasse de novo com mais sofrimento. Preocupação legítima. Mas sofrer, quem pode evitar? Só se escolher deixar de viver e apenas vegetar.

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