Tenho tentado fugir de escrever sobre temas tratados por filmes. Mas parece que agora eles me perseguem ou eu os persigo, sem perceber. Fato é que o filme “Nise – O coração da Loucura” (2016) é um filme excepcional para quem gosta de refletir sobre o ser humano e a sociedade, em geral. Sim, porque o filme vai muito além de tratar sobre psiquiatria e a contestação de técnicas hoje reprovadas como a lobotomia ou eletrochoques. É um retrato belo e delicado sobre a inclusão social, um debate sobre a loucura, sobre o amor, sobre a arte e o afeto. (Atenção: contém spoilers)
Sei que loucura por si só é um tema muito polêmico. Já tive um professor de Filosofia que passou seis meses defendendo que a loucura não existe. Então, por favor, não se prendam muito à precisão dos termos e conceitos, apenas deixem a emoção fluir. Não estou aqui para tratar de ciência, mas de sentimentos, coragem, superação, machismo, sofrimento e todo esse louco universo dos antigos manicômios brasileiros.
Tenho muitos motivos pessoais para me encantar com “O coração da loucura”. Já enfrentei pânico e leve depressão, “fichinha” para médicos e pacientes que enfrentam doenças infinitamente mais sérias, como esquizofrenia, transtornos diversos, sociopatia etc. E minha avó passou anos e anos como enfermeira na antiga Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Além das milhares de histórias tenebrosas e tragicômicas que ouvi desde a infância, também tive a oportunidade de visitar o hospital psiquiátrico (antes, denominado, hospício), quando minha avó trabalhava lá. Ver pessoas nuas, pelo chão, alimentando-se como cachorros, exatamente como no filme. Mais tarde, já com 18 anos e estudante de Jornalismo, entrevistei o então jovem diretor da Colônia, que já aderira ao movimento antimanicomial – movimento esse que também gera muito “pano para manga”, principalmente para as pessoas mais pobres que precisam de internação para seus parentes. Mas isso é papo para outra discussão e não tenho gabarito para isso. Já temos estudiosos bastante debatendo esse tema.
O que importa é que o filme é um documental, visto que a Drª Nise da Silveira (1905-1999) foi de fato uma psiquiatra muito à frente de seu tempo. Não quero me estender muito aqui falando sobre o filme, os prêmios que ganhou, ou sobre a figura extraordinária da Drª Nise, uma vez que vocês podem encontrar muito sobre tudo isso com uma rápida pesquisa na internet. Mas gostaria de destacar algumas frases e imagens que marcaram a minha memória e as minhas emoções ao assistir ao filme.
“Eu não acredito na cura pela violência”. Isso é o que a Drª Nise responde quando volta ao Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro (RJ), depois de quase dois anos presa por posse de livros marxistas, e mais cinco anos vivendo com o marido na semi-clandestinidade, afastada do serviço público, por razões políticas. Quando retorna, ela se depara com as “modernas” técnicas de eletrochoque e lobotomia realizada para a “cura” de internos esquizofrênicos.
“Quem se preocupa muito com o que os outros dizem, acaba deixando de viver. Eu sei o que é melhor para mim”. Achei essa frase sensacional se pensarmos que hoje em dia nos preocupamos com tudo o que os outros pensam a nosso respeito, num esforço incansável de tentar agradar a todos a todo custo e sermos aceitos e nos encaixarmos nos moldes da sociedade. A personagem Nise não se deixa abater e aceita trabalhar no abandonado centro de terapia ocupacional do Centro Psiquiátrico, mesmo que isso custe o risco de abalar o seu prestígio como médica e pesquisadora.
Sei que loucura por si só é um tema muito polêmico. Já tive um professor de Filosofia que passou seis meses defendendo que a loucura não existe. Então, por favor, não se prendam muito à precisão dos termos e conceitos, apenas deixem a emoção fluir. Não estou aqui para tratar de ciência, mas de sentimentos, coragem, superação, machismo, sofrimento e todo esse louco universo dos antigos manicômios brasileiros.
Tenho muitos motivos pessoais para me encantar com “O coração da loucura”. Já enfrentei pânico e leve depressão, “fichinha” para médicos e pacientes que enfrentam doenças infinitamente mais sérias, como esquizofrenia, transtornos diversos, sociopatia etc. E minha avó passou anos e anos como enfermeira na antiga Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Além das milhares de histórias tenebrosas e tragicômicas que ouvi desde a infância, também tive a oportunidade de visitar o hospital psiquiátrico (antes, denominado, hospício), quando minha avó trabalhava lá. Ver pessoas nuas, pelo chão, alimentando-se como cachorros, exatamente como no filme. Mais tarde, já com 18 anos e estudante de Jornalismo, entrevistei o então jovem diretor da Colônia, que já aderira ao movimento antimanicomial – movimento esse que também gera muito “pano para manga”, principalmente para as pessoas mais pobres que precisam de internação para seus parentes. Mas isso é papo para outra discussão e não tenho gabarito para isso. Já temos estudiosos bastante debatendo esse tema.
O que importa é que o filme é um documental, visto que a Drª Nise da Silveira (1905-1999) foi de fato uma psiquiatra muito à frente de seu tempo. Não quero me estender muito aqui falando sobre o filme, os prêmios que ganhou, ou sobre a figura extraordinária da Drª Nise, uma vez que vocês podem encontrar muito sobre tudo isso com uma rápida pesquisa na internet. Mas gostaria de destacar algumas frases e imagens que marcaram a minha memória e as minhas emoções ao assistir ao filme.
“Eu não acredito na cura pela violência”. Isso é o que a Drª Nise responde quando volta ao Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro (RJ), depois de quase dois anos presa por posse de livros marxistas, e mais cinco anos vivendo com o marido na semi-clandestinidade, afastada do serviço público, por razões políticas. Quando retorna, ela se depara com as “modernas” técnicas de eletrochoque e lobotomia realizada para a “cura” de internos esquizofrênicos.
“Quem se preocupa muito com o que os outros dizem, acaba deixando de viver. Eu sei o que é melhor para mim”. Achei essa frase sensacional se pensarmos que hoje em dia nos preocupamos com tudo o que os outros pensam a nosso respeito, num esforço incansável de tentar agradar a todos a todo custo e sermos aceitos e nos encaixarmos nos moldes da sociedade. A personagem Nise não se deixa abater e aceita trabalhar no abandonado centro de terapia ocupacional do Centro Psiquiátrico, mesmo que isso custe o risco de abalar o seu prestígio como médica e pesquisadora.
“Eu não sou maluco. A loucura é que entrou em mim”. Essa frase de um dos pacientes, ou clientes, como a Drª Nise preferia chamá-los, nos leva a refletir sobre o que é a loucura, seus estágios, como e quando se desencadeia e até que ponto o ambiente em que se vive e o tratamento que se recebe não faz você parecer ou ficar ainda mais louco. É de uma incrível sabedoria do tal “maluco”, claro, é um personagem, mas saindo da boca dele é uma frase profunda e, desculpem os especialistas se digo alguma tolice, mas considero absolutamente genial.
“O meu instrumento é
o pincel. O seu é o picador de gelo”. Sem medo, Drª Nise responde sobre
suas técnicas terapêuticas, desconsideradas e ridicularizadas pelos demais médicos
da instituição, que usavam o picador de gelo na lobotomia. Tempos depois, as
pinturas e esculturas de seus clientes foram reconhecidas pelo mundo artístico
e aplaudidas por grandes críticos. Estamos falando da década de 40. Será que eu
e você, sendo mulher, responderíamos a um homem dessa forma, dentro de um
manicômio, em plena década de 40? Isso é que se chama coragem e determinação.
“É a janela aberta vendo a paisagem. Um dia ela abre. Mas dá muito trabalho”. Paciente, já bem evoluído no tratamento terapêutico, falando sobre a sua bela pintura. Agora já dá para ver a paisagem, mas ainda não dá para sair. Dá muito trabalho, sim. Quem já passou por tratamento psiquiátrico, incurável ou não, sabe muito bem o que significa essa frase de completa libertação e o que é a luta diária em busca do equilíbrio e da sanidade.
“Se ia tirar, por que
é que deu?”. Meus Deus, até onde vai a maldade e a burrice do ser humano. Como
afronta, a direção do hospital mata os cachorros que a Drª Nise mantinha com
seus pacientes para promover os laços de afeto e auxiliar no tratamento. Hoje
essa técnica é mais do que comprovada. Acho que fazem isso por pura inveja. Não
se contentam que um médico possa estar tendo sucesso usando cachorros. Que
insanidade até para a época! Mas será que nos dias de hoje não acontecem coisas parecidas?
Quantos gênios, de verdade, são compreendidos em vida? E quantas pessoas não
querem abafar outras por pura inveja até num simples trabalho?
Nise também grita como
louca enquanto o paciente Lúcio grita com a dor da perda de seu cachorro.
Isso se chama amor e empatia. Vai além da profissão. Não precisa explicar
muito, não é? Uma cena forte e muito comovente.
Por fim: “Há dez mil modos de ocupar-se da vida. E de pertencer à sua época”. Esse é aquele momento em que você redobra a sua atenção: o filme nos brinda com a aparição da verdadeira Drª Nise, já bem idosa. Ela diz que pensa como Antonin Artaud (1896-1948)* e então se corrige, como quem puxa a frase lá do fundo da memória, mas não importa, a interpretação é ainda mais bela: “Há dez mil modos de pertencer à vida e lutar pela sua época”.
Nessa hora, com o coração feliz e apertado pela oportunidade
de conhecer essa linda história, recolho a minha insignificância, mas aproveito
a admiração, a força e a inspiração dessa mulher, Drª Nise da Silveira, e cada
um de seus clientes, portadores das mais diversas condições clínicas, esquizofrênicos,
loucos, artistas fenomenais, que nos ensinam o que é ser mais humano, como Fernando,
Adelina, Lúcio, Carlos, Emygdio, Octávio e Raphael. Sim, é possível!



Otimo filme! Muito bom este texto com as frases mais marcantes, dentre elas a de Antonin Artaud.
ResponderExcluirÓtimo filme, excelente texto...
ResponderExcluirMuito bom este texto sobre um muito bom filme, sobre uma muito boa mulher muito à frente do seu tempo.
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